Nestes tempos esquisitos , resolvi postar novamente esta história ...

Tinha só sete anos
e já conseguia entender um bocado de coisas dessa vida. Naquela sua realidade
de menino nascido e criado na favela, desde cedo conhecia seu inimigo, chegava
a se arrepiar quando via aquele carro azul e branco e já corria pra contar pro
seu amiguinho mais velho que soltava fogos quando a policia chegava, aos poucos
ele foi entendendo por que aqueles fogos não eram motivos de festa nem
comemoração, principalmente quando o carro azul levou seu irmão mais velho, de
quinze anos, lembra até hoje de sua mãe chorando, implorando pro homem de farda
não levar seu menino.
Jonatas era seu nome, sua mãe achava bonito,
dizia que ele tinha nome de gente importante e um dia ele seria importante,
teria dinheiro, do alto da rocinha mostrava o luxuoso prédio no bairro de São
Conrado, que dizia que seu filho iria morar. O menino sempre subia na laje e
olhava para aquele prédio.··.
O tempo foi
passando e Jonatas crescendo, começou a andar para mais longe sozinho, começou
a ir até o prédio, um dia ficou olhando lá pra dentro, segurando nas grades do
portão. Estava lá se imaginando do lado de dentro, andando de elevador,
correndo naquele gramado, pensava que seria bom jogar bola ali, mas não via
nenhuma criança fazendo isso, pensava que eles não deveriam gostar de futebol, foi
interrompido do seu sonho com o barulho do portão automático se abrindo, levou
um susto e ficou olhando, vinha uma senhora bonita com calça e camisa branca e
um menino aparentando a sua idade com um carrinho de controle remoto na mão, ele
achou aquele carrinho lindo, já tinha visto no comercial da televisão e sua mãe
disse que era muito caro, que dava para comprar comida pra quase um mês com o
dinheiro necessário. Ele pensou e se lamentou naquele momento e disse baixinho:
-"Que pena que temos que comer!”.
Quando a moça
bonita vestida de branco viu sua presença no portão, seu semblante mudou, deu
uma meia parada e segurou mais forte a mão do menino; olhou para trás e chamou
o porteiro, que entendeu logo a situação e veio resolver, ou seja, tirar o
menino de perto, para que eles pudessem passar com tranquilidade. Jonatas
percebeu a situação e, moleque esperto que era, antes mesmo do porteiro vir
falar com ele, já saiu, mas saiu dali triste, se perguntando porque as pessoas
que moravam no prédio tinham medo dele, será que era porque ele era negro?
Porque era pobre? Porque morava no morro? Saiu dali cheio de perguntas sem
respostas para aquela cabecinha tão jovem, ainda teve que passar pelos
“inimigos” que faziam uma blitz na subida do morro, ainda bem que dessa vez,
nem viram ele passar.
Chegou a casa com a
imagem do menino na cabeça, pensava que podia brincar com ele, podia brincar
com seu carrinho e ele podia ensinar o menino a soltar pipa, jogar futebol,se
questionava porque tinham que ser inimigos... O menino ia pensando nas coisas
que o pessoal da assistência social falava, há pouco tempo um grupo de jovens
ligados a uma instituição religiosa começou a fazer um trabalho com as crianças
da comunidade, mas logo tiveram que parar, pois o pessoal do “movimento” não
estava gostando das ideias que os jovens estavam tendo, mas uma coisa ele não
esqueceu, uma vez, numa conversa, ele ouviu que para Deus todos são iguais e
isso ficava sempre martelando seus pensamentos, ele queria acreditar naquela
frase, mas não conseguia.
Naquela sua vida de
privações e decepções, questionava se Deus realmente existia, principalmente
nos dias de tiroteio em que ficava com medo embaixo da cama, agarrado a sua mãe
e sua irmã, pensava em ir logo embora dali, crescer logo para morar no bonito
prédio branco de São Conrado, mas por que demorava tanto? Pensava...Sonhava...chorava...
Naquele dia o tiroteio estava demorando demais, a cada estampido, ele soluçava
com medo, pois lembrava do amiguinho que tinha morrido com uma bala perdida,
tinha medo de morrer, queria viver, sentir a vida, gostava de jogar bola, de
correr, de soltar pipa na laje e olhar para o mar, ver seu prédio branco de
frente para praia com gramado na frente...
Mas todos aqueles
sonhos foram interrompidos quando o traficante arrombou a porta do barraco, ao
fugir do cerco da policia,a casa de Jonatas foi a primeira que ele viu e
entrou, neste momento Jonatas começou a gritar de medo e os policiais que
perseguiam o criminoso ouviram e cercaram o bandido junto com a família de
Jonatas, infelizmente a polícia do Rio de Janeiro atira primeiro e pergunta
depois... Horas depois o carro do IML chegava à favela para recolher o corpo do
traficante e do pequeno menino, que virou escudo da covardia e do contraste
social de um Estado em guerra civil. Naquela manhã não houve passeata pelos
direitos humanos, a polícia comemorava que conseguira abater o chefe do
tráfico, mas e o menino? Agora ele era só o menino que morreu na troca de
tiros, mais um para entrar nas estatísticas da violência e do medo. Na capa do
jornal sanguinário, uma foto da favela com o carro da polícia na frente e a
manchete com a seguinte frase: “Polícia pacificadora contém tráfico na
favela”...
O prédio branco em
frente à praia continuou lá, abrigando atrás de suas grades quem pode pagar
para ter um pouco de segurança e conforto. O menino do carrinho de controle
remoto ainda não jogava bola no gramado, talvez fosse proibido pisar na grama...
Seu futuro ilustre morador, o menino Jonatas que ia estudar para ser importante
e ter dinheiro para morar lá, já não ia mais chegar, também já não olhava para
o prédio do alto de sua laje, não olhava mais, não chorava mais, não sonhava
mais.