domingo, 30 de maio de 2010

Insônia



Olhou no relógio e já eram 2:22 da madrugada,o sono lhe faltava,rolava na cama,os pensamentos cada vez mais acelerados,impossível dormir...Resolveu levantar,foi a cozinha,bebeu água e foi para o escritório,caiu na asneira de entrar na internet,daí pra frente foi o ritual de todo dia,verificar e-mails,orkut,acompanhar alguns blogs e ler as últimas notícias do mundo...informações...superficialidades...banalidades...
Continuou se sentindo mal,angustiado,insatisfeito quando de repente escuta uma voz:
-Ei!

Quase caiu da cadeira de susto,o pânico o deixou todo arrepiado e imóvel,quando conseguiu se virar e olhar para quem o havia chamado,ficou ainda mais assustado pois viu sua própria imagem,mas num corpo diáfano,etéreo, mais bonito,sem aquela aparência pesada que lhe chamou novamente:

-Ei rapaz,tá sem sono?

Só conseguiu balançar a cabeça afirmando que sim e o outro lhe disse:

-Então vem cá,segure a minha mão,vamos dar uma voltinha!

Aceitou instintivamente o convite inusitado,não sabia como aquilo estava acontecendo,mas viu que seu corpo também estava diferente,também tinha uma forma etérea,não pisava mas o chão,era como se flutuasse e guiado por aquele ser que tinha sua própria aparência se deixou levar para aquele improvável passeio.
O primeiro lugar que passaram foi pela casa,seu guia naquele momento ia lhe dizendo:
-Olhe o que você tem!
Olhou a mulher deitada,dormindo bem,sem culpas,sem traumas,olhou os filhos,saudáveis,confortáveis em suas camas quentes.Continuou visitando sua própria casa,reconheceu que tinha uma casa confortável de dois andares,com a dispensa cheia,saiu,ainda olhou na garagem e viu seu carro semi novo.Atravessaram o portão como fazem os espíritos nos filmes,começaram a ganhar uma certa altura naquele vôo inusitado,ele já não sabia em que estado se encontrava, achava que tinha realmente enlouquecido,mas,apesar do medo, achava interessante aquela experiência.

-Continue observando!

Ele apenas fazia o que era ordenado,não se via em condições de objetar nada.Visualizava a cidade em que morava,foi guiado para um lugar onde funcionava uma boate,chegou na hora da saída,viu pessoas embreagadas saindo,dirigindo sem condição,jovens na idade de seus filhos consumindo drogas nas esquinas da vida,meninas que para ele ainda brincavam de bonecas sendo usadas como se fossem mercadorias,mais adiante,na via de alta velocidade,avistou um acidente,viu que aconteceram mortes ali.Não aguentou aquelas cenas,pediu ao seu condutor que o levasse dali.Foi atendido.Fechou os olhos e se viu em outro lugar,paredes brancas,não demorou e reconheceu que estavam num hospital,ao vagar por aqueles corredores,seu peito cada vez doía mais,pode ver muitas pessoas enfermas,lutando pela vida,lembrou de seu grande amigo Carlos que as cinqüenta e dois anos perdera a luta para o câncer,lembrou de seu exemplo de vida,de sua vontade de viver,do seu bom humor ao falar de sua dor.Como era possível tanta dignidade meu Deus?Agora,ali ele começava a entender...Lembrou que Carlos conseguia dormir...ele não...
Foram para outra parte da cidade,aquelas cenas agora não saiam mais da sua cabeça,sentia uma angústia ainda maior,ainda continuava observando,estavam agora no centro da cidade,as sombras da noite eram assustadoras,seu guia lhe disse mais uma vez:
-Olha ali,embaixo daquele viaduto!
E ele olhou,viu pessoas dormindo bem juntas,amontoadas,dividindo cobertores baratos,suas camas eram de papelão e jornal,o aquecimento era encontrado no corpo do outro,ali não havia marido,mulher,ali ,por mais que não soubessem disso,mesmo com a promiscuidade daquele ambiente haviam irmãos.O que mais lhe deixava perplexo é que todos dormiam e bem,era possível ouvir suas respirações ritmadas...
Ele estava ali,naquele momento,não sentia seu corpo,porém sentia dor,aquela dor que deixa a pessoa sem palavras,sem ações,aquela que faz com que nos viremos do avesso buscando uma desculpa para não ver o que precisamos ver...Um dia chega o momento e o dele havia chegado.Pediu para ir embora,não queria mais ver tantas cenas tristes,senti-se mal,queria ir pra casa e mais uma vez foi atendido,seu condutor o levou...Ele abriu os olhos e estava sentado,em frente ao computador,estava confuso,envergonhado,mas,de certa forma feliz por ter visto coisas que precisava ver...ainda atordoado,olhou em volta procurando seu guia naquela viagem e não o encontrou mais,queria perguntar compreender o incompreensível para as mentes humanas,queria saber quem tinha lhe dado aquela oportunidade...quando olhou na tela do seu computador , apenas uma palavra escrita:Consciência.